A experiência do 1º voo após dois meses de confinamento: "Foi surreal"

O aeroporto de Barcelona bateu um recorde histórico em 2019, recebendo 52,6 milhões de ageiros — 10 milhões a mais do que Guarulhos (SP). Segundo a AENA (empresa pública de istração aeroportuária da Espanha), os terminais da capital catalã operaram 344.558 voos, mantendo uma média de 943 pousos e decolagens ao dia. No último mês, no entanto, o movimento caiu 99,6% em relação ao mesmo período no ano ado, contabilizando 25 mil viajantes. Um deles era eu.
Quinto país mais afetado do mundo pelo coronavírus, com 27.940 mortos, a Espanha está em estado de alarme desde 14 de março. Com a medida, as fronteiras foram fechadas e os deslocamentos dentro do território nacional reduzidos. Um dos motivos pelos quais uma pessoa pode viajar para fora de sua província atualmente é voltar para a própria casa — como foi o meu caso.
Oficialmente residente em Menorca, nas Ilhas Baleares, eu estava em Barcelona quando o presidente do governo, Pedro Sánchez, decretou quarentena em todo país. Dada a gravidade da situação, preferi ar dois meses confinada por lá até que o panorama melhorasse. Com taxa de contágio de 0,2% ao dia, e 65% dos doentes recuperados, resolvi deixar a metrópole catalã para trás, na terceira semana do processo de "desconfinamento".
Apocalipse zumbi
Impossível não se sentir em um filme de apocalipse zumbi diante daquela gigantesca estrutura high-tech, sem rastro de outros seres humanos. Uma cena surreal. Surpreso com a situação (e feliz por estar fazendo a única corrida longa do dia), o taxista até desceu para tirar algumas fotos.
Apenas uma porta rotatória do terminal estava funcionando. Ao entrar, ei pela primeira minientrevista do dia. "Para onde voa? Por quê?", perguntou o segurança, que também quis ver minha agem e o certificado de residente em Menorca, um documento emitido pela prefeitura que também dá desconto em agens aéreas. Quem não vai viajar não pode entrar no terminal atualmente e o uso de máscara é obrigatório para todos os ageiros e funcionários.
Cadê a fila?
Nunca fui tão bem atendida no balcão de check-in da Vueling, companhia espanhola famosa por suas filas quilométricas. Pela primeira vez na história, o número de atendentes (uns seis) triplicava o de ageiros (meu marido e eu). O mesmo fenômeno se repetiu no controle de segurança, onde também éramos os únicos viajantes.
"Estás aburrido?", perguntei ao segurança com cara de tédio. "Que nada, só de sair de casa já estou feliz". Aproveitei para lembrá-lo do privilégio de ainda ter um emprego e segui para o de informação, posicionado sobre o piso lustroso e cercado de lojas, cafés e restaurantes — tudo fechado.
Das cinco telas que geralmente listam voos para todos os continentes, quatro estavam apagadas. Apenas quatro destinos, além do meu, constavam na programação daquela tarde: São Petesburgo, Moscou, Málaga (na Andaluzia) e Tenerife (Ilhas Canárias).
Precisei recorrer ao guichê de informações — onde duas funcionárias fofocavam freneticamente — para descobrir qual banheiro estava funcionando (quase todos estão fechados). Depois disso, só topei com outras pessoas no nosso portão de embarque.
Distanciamento social. Check!
Éramos uns 40 ageiros. Desde que o estado de emergência foi decretado, há apenas um voo por dia de Barcelona para Menorca, e três semanais a partir de Madri. Todos os demais estão suspensos (em condições normais, há várias conexões diárias para as principais cidades da Espanha e de diversos países europeus).
Na fila de embarque, os ageiros deveriam manter dois metros de distância uns dos outros, algo perfeitamente viável em um aeroporto vazio, mas que será um dos muitos desafios quando as restrições de circulação forem retiradas. O o ao avião foi feito de ônibus e, mesmo para 40 ageiros, dois veículos enormes foram utilizados. Distância social mantida com sucesso. Ao embarcar, precisei mostrar novamente o certificado de residente.
Dentro do avião, todos os assentos entre a janela e o corredor estavam livres. "Onde o número de ageiros e a configuração da cabine permitir, as companhias aéreas devem garantir, na medida do possível, a distância física dos ageiros", diz a recomendação da Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA) que, no entanto, não obriga as empresas aéreas a deixarem lugares desocupados entre os ageiros.
Uma ordem ministerial, emitida no início de maio na Espanha, limita a capacidade dos aviões em 50% entre as Ilhas Canárias e Baleares. Mas a regra não vale para as linhas entre o continente e os arquipélagos. Recentemente, essa "pegadinha" provocou revolta em um voo da Ibéria entre Gran Canária e Madri, quando os ageiros se viram em uma aeronave totalmente lotada. Menos mal que não tive que ar pelo mesmo perrengue.
Máscaras, automaticamente
Pouco antes do pouso, o novo processo de desembarque foi anunciado pelos alto-falantes: sairíamos do avião fila por fila e, enquanto os ageiros da frente ainda estivessem deixando seus lugares, seria necessário esperar sentado (como sempre deveria ter sido, aliás).
Tudo em vão. Mal o avião aterrissou e a cena clássica se repetiu, com boa parte das pessoas em pé no corredor. Após a intervenção do comissário, houve um pouco mais de ordem. Mas um longo processo de "adestramento" ainda será necessário até que consigamos executar esse balé sincronizado na saída dos aviões.
Sistema de triagem
Durante o voo, tivemos que preencher um questionário de saúde, indicando endereço na ilha e dados de contato. Na chegada, o formulário foi recolhido por um agente da polícia civil, que também solicitou o certificado de residente — os ageiros que não eram moradores foram entrevistados mais longamente.
Em uma segunda etapa de triagem, um médico tomou a minha temperatura, antes de me liberar. Menorca leva 14 dias sem novos casos de covid-19 e há apenas cinco pessoas infectadas na ilha atualmente. Mas, ao contrário do que vem acontecendo na vizinha Formentera (onde não há mais casos), os que chegam de fora não estão sendo testados.
Encontrar o aeroporto totalmente deserto não foi uma surpresa. Mesmo assim, não estava preparada para ter que procurar pelo meu carro no estacionamento interno em meio a um breu total. Menos mal que, assim como as luzes, as máquinas de pagamento e as cancelas também estavam desligadas — uma ótima notícia, depois de três meses de estadia não planejada, a 12 euros por cada 24 horas.
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